segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Porque razão os outros guarda-redes são superiores aos meus?

                    

Não raras vezes, avaliamos os nossos pequenos projetos de jogadores como estrelas. Contudo, quando olhamos para o adversário, por vezes indubitavelmente superior, descemos à Terra e mostramos desdém por não ter aquela qualidade ao dispor. Mas será que a qualidade por si só deriva do dom e do mérito do praticante?

O caso dos guarda-redes é paradigmático. Quantas vezes cobiçamos um guardião que jogue bem com os pés? Que tenha 20 centímetros a mais para a idade que apresenta? Não paramos a nossa avaliação comparativa ao que temos e, muitas vezes, passamos a angústia para a nossa equipa e para a posição específica, convencendo o miúdo de que o adversário é naturalmente melhor, independentemente do que ele possa fazer. Nada mais errado, afirmo.

A posição de guarda-redes é das mais específicas em campo e das que, provavelmente, exija maior força mental, dom inato e capacidade de adaptação. Um bom guarda-redes conhece a realidade de que pode não ter trabalho num jogo e ser espezinhado no jogo seguinte por erros que comprometam a vitória. Mesmo que antes de todos esses erros toda a equipa tenha falhado. 
A questão é que a dose de loucura de ir para a baliza deve ser encorajada. Sem acreditar que a pressão dos treinadores molde o atleta em direção a um caminho positivo, somos ainda mais veementes em salientar que o guarda-redes deve ser o elemento a receber feedbacks explicativos, nunca na comum opção de crítica e aquela frase que todos nós já ouvimos: "Este guarda-redes não apanha uma."

Mas então porque não evoluem os guarda-redes de acordo com o nosso padrão de crescimento coletivo? A ideia de jogo do treinador, o modelo coletivo, as regras de conduta são focos de atenção para os técnicos. Queremos acreditar nisto, pelo menos. No entanto, quando os guarda-redes não possuem um elemento da equipa técnica destinado a estes, acabam por ficar excluídos da ação do treino.

Quando nos queixamos da dificuldade que o nosso guarda-redes tem nos remates de ressaca, talvez seja porque nunca fizemos um exercício de reação após defesa. Se o nosso guarda-redes de Benjamins tem dificuldade na ocupação racional de espaço, isso pode dever-se a estar habituado a defender a baliza da escola e estar ciente de que no meio consegue defender bolas laterais. Um pormenor tão fundamental  como a cobertura dos postes e a basculação consoante ataque adversário podem acabar com aqueles golos a que os treinadores costumam definir de "ele não tem queda para isto".

Mas o transcendente surge nas saídas e no jogo com os pés. Se um guarda-redes não domina receção e passe, talvez seja porque ele não participa em rabias, em jogos reduzidos, em exercícios de coordenação simples. Daí que se defenda a passagem por todas as posições até aos 12 anos de idade. Quantas vezes a saída de bola corre mal porque depois do passe, os treinadores riscam a solução de devolver a bola ao guarda-redes? Quantas vezes o guarda-redes tem ordens para colocar a bola em determinado companheiro sem adaptar ao contexto do adversário?

E depois afirma-se que o guardião não sai de forma apropriada à baliza. Será que o treino prevê exercícios de técnica de saída com pés e mãos? Existirão situações de superioridade numérica e de aproveitamento da profundidade? Em suma, falarão sequer com os vossos guarda-redes e encorajarão a sua subida e a cobertura ofensiva quando a sua equipa tem bola?

Tal como em qualquer outra posição, o dom é fulcral, mas o treino aperfeiçoa e faz evoluir. Mas dentro do treino, a especialização e a atenção ao individual do atleta e da posição é a chave para uma perspetiva futura mais risonha para o atleta. Colocando em caso prático, se pensarmos na ideia sistémica de jogo um futebol apoiado e de posse, quantos treinadores fazem do guarda-redes um guia de movimentos (alertando para melhores linhas de passe) e um apoio frontal? É urgente que se comece a entender a posição específica e que se comece a trabalhar desde cedo comportamentos que não poderão ser adquiridos quando o atleta for Juvenil. 
O treinador é, na maioria das vezes, o grande responsável pela estagnação de um guardião.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário